AudTCU conversa com Promotora de Justiça e Corregedora do MPCDF sobre assédio sexual no trabalho

Na tarde desta segunda-feira (15/04), a Presidente da AudTCU, Lucieni Pereira, participou do bate-papo realizado pela Corregedoria do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (MPCDF) sobre assédio sexual. O evento foi conduzido pela Corregedora do MPCDF, a Procuradora de Contas Claudia Fernanda de Oliveira Pereira.

Bate Papo 2

Cláudia é Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas - CNPGC.

O encontro contou com a palestra da Promotora de Justiça Aposentada do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT, Drª Rose Meire Cyrillo, que é Mestre em Direito. 

Bate Papo 3

 

CONCEITOS JURÍDICOS SOBRE ASSÉDIO SEXUAL NO TRABALHO

A palestrante esclareceu alguns comportamentos que podem configurar assédio sexual no ambiente de trabalho, o que também alcança o trabalho remoto, happy hour, confraternizações, viagens a trabalho (auditorias e representações em organismos internacionais), reuniões virtuais, postagem em mídias sociais. 

Esclareceu, também, a diferença entre o crime de assédio sexual, previsto no Código Penal (art. 216-A), que requer relação de hierarquia, e o assédio sexual que se enquadra no conceito de infração administrativa.

Segundo a Promotora, assédio sexual cometido no ambiente de trabalho é considerado falta grave e pode ensejar a abertura de processo administrativo e  respectivas consequências. Ressaltou que, na Lei nº 8.112, de 1990, o assédio sexual não está expressamente previsto como ilícito disciplinar, mas que tal conduta pode configurar afronta aos deveres funcionais da moralidade administrativa (artigo 116, inciso IX) e o de tratar com urbanidade as pessoas (artigo 116, inciso XI), dentre outros, podendo, ainda, configurar hipótese de demissão por improbidade administrativa (artigo 132, V).

Citou como precedente o Parecer 00015/2023 – CONSUNIAO/CGU/AGU, além do fato de o STJ já ter reconhecido a possibilidade de assédios moral e sexual serem considerados como improbidade administrativa, situação que, se vier a ser confirmada, pode ocasionar demissão do servidor.

Confira abaixo a integra da exposição apresentada pela especialista!

Diante desses possíveis efeitos, Lucieni destacou a necessidade de elaborar cartilhas e outras formas representativas que permitam disseminar os conceitos de quais condutas podem ou não configurar assédio sexual do ponto de vista penal e da infração administrativa.

Para AudTCU, esse é um dos pontos mais relevantes para eficácia na implementação da política pública, uma vez que acusações infundadas podem comprometer a imagem e a honra dos Auditores-CE do TCU, prejudicar as relações de trabalho, com reflexos pessoais e familiares, ônus financeiro com contratação de profissional para defesa, além de comprometer a atividade de controle externo e a imagem do TCU, que faz fiscalizações sobre a política pública implementada pelos órgãos federais jurisdicionados.

 

IMPORTÂNCIA DE ESTATÍSTICA PARA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA

Em sua palestra, a Drª Rose apresentou indicadores de tratamento correcional do assédio sexual no âmbito do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (SISCOR), segundo o qual 52,6% das penas aplicadas em processos de assédio sexual foram de demissão, 40,22% de suspensão e 4,35% de advertência. Os dados foram extraídos do e-PAD Power BI no período compreendido entre 1º de janeiro de 2020 e 20 de setembro de 2023.

O desconhecimento da estatística sobre possíveis casos envolvendo Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo no âmbito do Órgão de Instrução do TCU e Gabinetes de autoridades do TCU é um dos pontos críticos da política pública implantada pela Corte de Contas, o que tem sido motivo de reação dos Auditores e preocupação da AudTCU.

A preocupação da entidade com esse tema se justifica pelos possíveis reflexos sobre a atividade de auditoria, eminentemente em equipe, que envolve inclusive viagens a campo para realização das auditorias e inspeções, além da atuação em organismos internacionais.

A divulgação de estatísticas com a série histórica dos casos investigados em unidades administrativas, nas unidades típicas de controle externo do Órgão de Instrução (auditoria) e em Gabinetes também contribui para compreensão dos problemas e adoção de medidas preventivas com foco na área onde houver maior risco e incidência de casos.

 

DENÚNCIAS ANÔNIMAS X GARANTIAS DOS ACUSADOS

Durante a palestra, a Drª Rose chamou atenção para hipóteses de denúncia anônima previstas em precedentes do Superior Tribunal de Justiça-STJ. Destacou que, preliminarmente e em caráter sigiloso, a área apuratória deve adotar medidas informais tendentes a verificar a verossimilhança dos fatos denunciados antes de instaurar um processo formal.

A questão tem nuances que podem levar as pessoas a interpretarem equivocadamente a Portaria do TCU, no sentido de contemplar denúncia anônima para investigar assédio sexual no trabalho.

A questão é delicada e apresenta aspectos sutis sob a ótica das garantias constitucionais dos acusados em geral. A Resolução do CNJ nº 351, de 2020, prevê, desde seu texto original, a vedação expressa ao anonimato "no encaminhamento da notícia de assédio ou discriminação". A jurisprudência da Corte Suprema é inequívoca ao rechaçar o anonimato para fins disciplinares ou penais:

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ANONIMATO – VEDAÇÃO IMPOSTA PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, IV, “in fine”) – COMPREENSÃO DO DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO – DELAÇÃO ANÔNIMA – POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS QUE A AUTORIZAM – DOUTRINA – PRECEDENTES – RECUSA ESTATAL EM RECEBER PEÇAS CONSUBSTANCIADORAS DE DENÚNCIA ANÔNIMA, PORQUE AUSENTES AS CONDIÇÕES DE SUA ADMISSIBILIDADE – LEGITIMIDADE DESSE PROCEDIMENTO – RESOLUÇÃO CNJ Nº 103/2010 (ART. 7º, III) – DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA – SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA – SUCUMBÊNCIA RECURSAL – MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA – PRECEDENTE (PLENO) – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS LIMITES ESTABELECIDOS NO ART. 85, §§ 2º E 3º DO CPC – AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. PERSECUÇÃO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR E DELAÇÃO ANÔNIMA – As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução administrativo-disciplinar (ou mesmo de natureza penal) cujo único suporte informativo apoie-se em peças apócrifas ou em escritos anônimos. É por essa razão que escritos anônimos não autorizam, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração de “persecutio criminis” ou de procedimentos de caráter administrativo-disciplinar. – Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude disciplinar e/ou penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da concernente persecução, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas. – Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em não receber peças apócrifas ou “reclamações ou denúncias anônimas”, para efeito de instauração de procedimento de índole administrativo-disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução CNJ nº 103/2010, art. 7º, inciso III), quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade. (Recurso Extraordinário nº 1.193.343, Rel. Ministro Celso de Mello, 2019)

Apesar dessa cautela adotada pelo Poder Judiciário, a Portaria do TCU nº 41, de 2024, não prevê esta que é uma importante garantia constitucional dos acusados e que já foi objeto de ação contra o Regimento Interno do TCU, cuja passagem foi considerada inconstitucional em 2003: 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. DENÚNCIA. ANONIMATO. LEI 8.443, DE 1992. LEI 8.112/90, ART. 144. C.F., ART. 5º, IV, V, X, XXXIII e XXXV. I. - A Lei 8.443, de 1992, estabelece que qualquer cidadão, partido político ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU. A apuração será em caráter sigiloso, até decisão definitiva sobre a matéria. Decidindo, o Tribunal manterá ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia (§ 1º do art. 55). Estabeleceu o TCU, então, no seu Regimento Interno, que, quanto à autoria da denúncia, será mantido o sigilo: inconstitucionalidade diante do disposto no art. 5º, incisos V, X, XXXIII e XXXV, da Constituição Federal. II. - Mandado de Segurança deferido. (Mandado de Segurança nº 24.405, Rel. Min. Carlos Velloso)

No âmbito da Justiça Federal, a Portaria CJF nº 196/2023 é bastante objetiva quanto à necessária identificação do ofendido e do ofensor, assim como do noticiante, afastando qualquer hipótese de anonimato:

Art. 9º Os relatos, conforme dispõe o art. 7º desta Portaria, formalizam-se, para tratamento no âmbito da comissão, por meio de instauração de procedimento sigiloso no sistema SEI, contendo, necessariamente, as seguintes informações: 

I – nome e qualificação do(a) ofendido(a) e do(a) ofensor(a);

II – nome e qualificação do(a) noticiante, se houver;

III – descrição da conduta e dos fatos.

Para AudTCU, esse é um dos pontos que merece aperfeiçoamento na Portaria que institui a política de gestão no TCU.

 

IMPORTÂNCIA DAS MEDIDAS PREVENTIVAS

A possibilidade dessas medidas informais previstas na jurisprudência do STF aponta para necessidade de se investir em campanhas preventidas e a formação de lideranças voltada para prevenção de conflitos e mediação práticas restaurativas.

A AudTCU defende a adoção de campanhas compatíveis com a cultura organizacional e a natureza jurídica do TCU para reduzir o risco de situações identificadas em apuração da verossimilhança de fatos denunciados, sem a identificação do notificante (de forma anônima), mas jamais desencadear procedimento administrativo contra qualquer Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo ou demais servidores, sob pena de ferir a Constituição e a jurisprudência do STF.

 

PRÁTICAS RESTAURATIVAS PARA PRESERVAR EQUIPES NO CONTROLE EXTERNO

A Resolução CNJ nº 351, de 2020, elege as práticas restaurativas como meio de resolução de conflitos ou eventual incidente no ambiente do trabalho.

Art. 13. A notícia de assédio ou discriminação poderá ser acolhida em diferentes instâncias institucionais nos respectivos órgãos do Poder Judiciário, observadas suas atribuições específicas:

...

§ 1º O encaminhamento da notícia a uma das instâncias institucionais não impede a atuação concomitante das áreas de Saúde e Acompanhamento e não inibe as práticas restaurativas para a resolução de conflitos e promoção de ambiente de trabalho saudável.

Ao regulamentar a Resolução do CNJ, o Conselho da Justiça Federal-CJF adotou como uma das diretrizes da comissão a utilização da conciliação, da mediação e de outras práticas restaurativas, quando possíveis, em face do reconhecimento das medidas como técnicas importantes ao tratamento dos conflitos e fontes positivas para se evitarem conflitos ou condutas discriminatórias ou assediadoras. (Portaria CJF nº 196, de 2023).

A finalidade dessa medida é manter o ambiente de trabalho saudável, o que interfere na produtividade e no alcance dos objetivos e metas institucionais. A depender do grau de insalubridade das relações interprssoas, Unidades de Auditoria do TCU podem perder talentos que detêm expertise de difícil reposição, especialmente em razão do caráter multidisciplinar e complexidade das atividades de controle externo nas unidades típicas de auditoria.

Durante o bate-papo com as especialistas, Lucieni defendeu a previsão de medidas restaurativas no âmbito das Unidades de Auditoria do Órgão de Instrução do TCU (Segecex), de forma a preservar a integração dos membros que precisam atuar em equipe em atividades típicas de controle externo.

A entidade tem como inspiração o Fórum Nacional de Justiça Restaurativa (FONAJURE), evento realizado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) em 2021,  e que priorizou a dimensão das práticas restaurativas na implantação Resolução CNJ nº 351, de 2020.

 

COMPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA DA COMISSÃO

No âmbito da Justiça Federal, a regulamentação prevê a eleição de dois servidores para compor a Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação. A eleição, mediante candidatura, é para o exercício de mandato de dois anos, permitida uma recondução.

A AudTCU envidará esforços para que o TCU adote eleição de dois servidores do quadro próprio de pessoal, sendo um deles Auditor-CE lotado no Órgão de Instrução (Segecex) eleito pelos pares.

 

Fonte: Comunicação AudTCU

 

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