Licitações e Contratos: alteração da Lei nº 14.133/2021 aguarda sanção e traz preocupação

NOTA PÚBLICA 

O Autógrafo do  Projeto de Lei nº 3.954, de 2023, assim como pode aperfeiçoar a recente Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133, de 2021) traz preocupações por retroceder em alguns aspectos importantes, conforme amplamente discutido com especialistas que participaram do Webinar e Nota Técnica Conjunta publicada, em 13/12/2023, pela Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU) com Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA).  

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Desde que foi publicada, abril de 2021, a Administração Pública das três esferas de governo tem investido inúmeros esforços na regulamentação da Lei nº 14.133, de 2021. Não se trata apenas de capital humano empreendido na capacitação de agentes, mas também de recursos públicos desperdiçados na implementação e adaptação de sistemas informatizados para processar os certames.

Restando menos de

Restando menos de um mês para a obrigatoriedade no uso da Nova Lei de Licitações, foram promovidas alterações estruturais que exigiram ajustes na regulamentação e nos sistemas informatizados em uso, o que demanda um enorme esforço, inclusive financeiro, para adaptar as mudanças.

Além disso, há especial preocupação com a flexibilização dos procedimentos de licitação no momento em que a União anuncia que investirá R$ 1,7 trilhão nas ações do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), sendo R$ 1,4 trilhão até 2026 (em média R$ 350 bilhões por ano) e R$ 320,5 bilhões após 2026, observados os seguintes eixos de investimento:

 
Eixos de Investimento R$ bilhões %
1. Cidades Sustentáveis e Resilientes 609,70 35,58%
2. Transição e Segurança Energética 565,40 33,00%
3. Transporte Eficiente e Sustentável 349,10 20,37%
4. Inovação para Indústria da defesa 52,80 3,08%
5. Educação, Ciência e Tecnologia  45,00 2,63%
6. Saúde 30,50 1,78%
7. Água para Todos 30,50 1,78%
8. Inclusão Digital e Conectividade 27,90 1,63%
9. Infraestrutura Social Inclusiva 2,60 0,15%
Total 1.713,50 100,00%

A sociedade se mobiliza para realizar o monitoramento dos investimentos, o que poderá ficar prejudicado com as mudanças aprovadas para as licitações e contratos. 

 

CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS SOBRE O MÉRITO DAS MUDANÇAS

Art. 56, §1º, da Lei 14.133/2021 – Disputa Fechada

A mudança, na prática, obriga o modo de disputa fechado para obras e serviços especiais de engenharia, serviços técnicos especializados de natureza intelectual e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, acima de R$ 1,5 milhão, permitindo que essa imensa quantidade de contratações relevantes materialmente seja licitada sem mecanismo de competitividade presente no modo de disputa aberto.

A alteração tende a encarecer os valores pagos pela Administração Pública, pois não conta com a fase de lances, em que os licitantes podem ofertar propostas mais vantajosas para cobrir os valores dos seus concorrentes; a falta de disputa por lances, aliada aos riscos associados à utilização das plataformas privadas com a possibilidade, até mesmo, de identificação de licitantes, constitui cenário facilitador (seleção adversa e risco moral) para a concretização de licitações com sobrepreço e outros vícios que comprometem a eficiência alocativa dos recursos públicos. 

Tanto TCU como  Ministério Público Federal apontam a necessidade de que as compras com recursos federais descentralizados (transferências voluntárias e obrigatórias quando mantida a natureza e a competência federais para fiscalizar, processar e julgar) devem ser realizadas diretamente no Portal Nacional de Contratações Públicas-PNCP, de forma a assegurar a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade das informações referentes a aquisições realizadas com recursos de natureza federal, com vistas a dar concretude ao disposto no art. 163-A da CR.

As mudanças agravam problemas apontados recentemente em decisão do Tribunal de Contas da União, demonstrando-se contrária ao interesse público.

 

Art. 86 da Lei 14.133/2021 – Adesão à Ata Municipal (“Carona”)

A alteração do dispositivo permite adesão de atas de uma infinidade de órgãos e entidades da esfera municipal (“carona”), sem mecanismos de gestão de riscos significativos decorrentes de fragilidades do sistema de autocontrole em vários entes da esfera municipal (inexistência de controle interno, advocacia pública e auditoria do SUS organizados em carreira). A facilidade para a deturpação na escolha de soluções técnicas combinada com o direcionamento para determinadas empresas cria um ambiente fértil para superfaturamento a partir do “jogo entre atas”. 

Considerado o elevado volume de recursos federais descentralizados para Municípios, especialmente para implementação de políticas de educação e saúde, revela-se temerária a previsão legislativa que permite adesão generalizada na esfera municipal sem qualquer condicionante que mitigue a disseminação de procedimentos licitatórios realizados à margem dos filtros de governança constitucionais e legais.

Sob uma perspectiva geral, a alteração legislativa amplia os riscos para as contratações públicas, não apenas em razão dos fatores críticos de governança na gestão de compras, mas também porque as instâncias de controle enfrentam desafios históricos que colocam em risco a eficiência alocativa dos recursos públicos, em particular nos casos de aplicação de recursos descentralizados pelos Estados e pela União.

 

Art. 184 da Lei 14.133/2021 – Alteração de Objeto de Recurso Vinculado

A nova redação do § 2º do art. 184,  da Lei nº 14.133, de 2021, permite  aditamentos  de obras públicas, exigindo o aporte adicional de recursos pelo concedente ou a redução de metas e etapas da obra em prejuízo da população destinatária da obra.

A alteração desvirtua o princípio da vinculação ao objeto da pactuação, conforme regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, matéria reservada à lei complementar por previsão constitucional. Além disso, a desvinculação que se pretende desvirtua os planos aprovados pelo ente concedente, o que fere de morte previsões constitucionais, segundo as quais o planejamento tem caráter determinante para o setor público.

 

Art. 184-A da Lei 14.133/2021 – Regime Simplificado

O novo dispositivo prevê a liberação de recursos de convênios ou instrumentos congêneres em parcela única (quando o valor global for inferir a R$ 1,5 milhão). Dispensa a apresentação de projetos de engenharia que assegurem a viabilidade técnica e exequibilidade de obras e, nos termos dos §§ 2º e 3º do mesmo artigo, afasta qualquer tipo de análise de projetos e planilhas orçamentárias pelo concedente, permitindo a destinação de recursos para obras inadequadas e que podem inclusive conter  irregularidades.

O regime simplificado apresenta, na modelagem, dois graves problemas: um de  ordem técnica, outro de ordem jurídico-financeira, esbarrando em normas gerais de finanças públicas que estão sujeitas à lei complementar por exigência constitucional. Representa, na prática, um “cheque em branco” para obras realizadas com recursos federais de valor até R$ 1,5 milhão.

A medida segue na contramão do diagnóstico realizado pelo TCU, que identificou que 41% das obras executadas com recursos da União estão paralisadas, sendo a principal causa da paralisação a deficiência de projeto básico utilizado em licitação. Atualmente, há 8,6 mil obras paralisadas financiadas com recursos federais, sendo que 72% se referem a investimento inferior a R$ 1,5 milhão. São obras de pavimentação de ruas e estradas vicinais, construção de creches, escolas, ginásios, quadras poliesportivas, praças, obras de infraestrutura urbana, entre outras.

O dispositivo cria um ambiente desfavorável à eficiência alocativa e a probidade administrativa, especialmente dos recursos de emendas parlamentares, com previsão de alcançar R$ 50 bilhões em 2024, que são aplicados pelos entes federativos sem uma visão integrada das políticas públicas.  

Exigirá ainda revisão de convênio no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ao determinar que a liberação do recurso será em cota única, o que não é compatível com muitos convênios que têm como objeto serviços medidos por procedimentos assistenciais x cumprimento de metas.

Além do mais, no SUS todas as ações e serviços necessitam observar os seus regramentos, suas diretrizes, o plano de saúde e outros aspectos incompatíveis com planos e projetos simplificados.

 

CONCLUSÃO

Por esses e outros fatores críticos de natureza jurídica apontados em estudo técnico, as entidades signatárias deste Nota Pública pedem o veto dos dispositivos analisados na Nota Técnica Conjunta publicada pela AudTCU e IDISA em razão das inconstitucionalidades referentes aos temas típicos de Direito Financeiros reservados à lei complementar, riscos de retrocesso e de fragilização da governança das compras públicas.

 

SIGNATÁRIOS DESTA NOTA PÚBLICA

Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU)

Centro Jurídico de Altos Estudos em Controle Externo (CAE-Jud)

Confederação Nacional dos Servidores Públicos - CNSP

Força Tarefa Popular - FTP

Instituto de Direito Sanitário Aplicado - IDISA

Instituto de Fiscalização e Controle - IFC

Fonte: Comunicação AudTCU

 

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