Objetivo necessário: igualdade racial e combate à discriminação

Lucieni Pereira*

Em 2015, a Organização das Nações Unidas-ONU instituiu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável-ODS  e 169 metas globais interconectadas, a serem atingidos até 2030, intitulada “Agenda 2030”.   A  Agenda 2030 avançou, significativamente, na busca pela igualdade de gênero (ODS 5), que visa “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.

Tamanha relevância, o ODS 5 ganhou especial atenção da atual Diretoria da AudTCU, que acaba de aprovar a criação da Diretoria de Equidade de Gênero e da Comissão AudTCU Mulheres, com objetivo de dialogar com Auditores e Auditoras Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo do Tribunal de Contas da União sobre equidade de gênero, em especial no exercício da função controle externo, marcada por deveres de independência, imparcialidade e outras prerrogativas profissionais específicas para o exercício da referida função.

Mas a Agenda 2030 falha com a ausência de assunção de compromissos mais claros e a definição de um ODS específico sobre igualdade racial e combate à discriminação, conforme reconhecido no ano passado por Tendayi Achiume, relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo. Segundo a relatora, promessas para avançar no combate ao racismo e em promover a igualdade racial estão sendo vítimas de “fracos compromissos”. 

ODS Instagram

O combate à discriminação racial é apoiado pela ONU pelo ODS 10 - Redução das Desigualdades e pelo ODS 16 - Justiça, Paz e Instituições Eficazes, mas as iniciativas não têm se demonstrado suficientes.

A violência praticada por um militar da reserva das Forças Armadas - que ainda ocupa cargo em comissão no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro-TCE/RJ - contra um Auditor de Controle Externo que integra o quadro próprio de pessoal da instituição de controle externo é exemplo inequívoco dos fracos compromissos de combate ao racismo a que se referiu Achiume, compromissos que a alta cúpula da Corte de Contas Fluminense tem a oportunidade de rever a partir do enfrentamento dessa violência sob investigação.

Esse compromisso é importante não apenas na definição de uma política clara para evitar novas condutas, porque estamos falando de conduta que pode ser tipificada pelas autoridades competentes como crime inafiançável e imprescritível, repudiado taxativamente no rol de princípios da República Federativa do Brasil. É preciso compromisso com a observância do princípio constitucional da duração razoável do processo de apuração dos fatos, com afastamento preventivo de comissionados envolvidos de forma contrária à política antirracista e manifestação institucional em apoio à vítima. Até agora, o TCE-RJ não deu claros sinais de compromisso com uma política efetiva de combate ao racismo e de acolhimento a vítimas de tamanha violência perpetrada “dentro de sua própria casa”.

A vítima da agressão perpetrada por um Militar da reserva remunerada do Exército Brasileiro é Carlos Leandro Santos Reginaldo, Auditor de Controle Externo do TCE-RJ e Presidente da Comissão de Equidade de Raça, Diversidade, Gênero e Pessoas com Deficiência da AudTCE-RJ, afiliada da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil-ANTC. Leandro é Mestre em Políticas Públicas de Educação pela Universidade SEK de Santiago (Chile), graduado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense-UFF, em Matemática pelo Centro de Ensino Superior de Valença e em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ.  Antes de ingressar na carreira de Auditor de Controle Externo, Leandro foi Analista de Planejamento e Orçamento na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Estado do Rio de Janeiro (SEPLAG-RJ), Professor de Matemática da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro e Professor de Finanças Públicas nos cursos de Pós-Graduação em Administração Pública na CEPERJ e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ.

Não faço essa contextualização do perfil acadêmico e profissional da vítima para justificar a intensidade de nossa indignação e o tom da nossa reação articulada em todas as afiliadas da Associação Nacional, porque temos de cultivar o dever moral e o compromisso ético de combater o racismo contra qualquer cidadão, especialmente quando se trata de vítima socialmente vulnerável, o que não é o caso do Carlos Leandro. Faço esse registro para mostrar que a conduta racista de um agente comissionado contra o Auditor de Controle Externo de carreira, dentro de sua “própria Casa”, é reflexo da omissão da instituição em razão da falta de compromisso com o combate ao racismo institucional, que tem dimensões econômica, política, jurídica e cultural.

No ano passado, o Tribunal de Contas da União instituiu o Comitê Técnico de Equidade, Diversidade e Inclusão-CTEDI, por meio da Portaria-TCU nº 86, de 8/6/2022. A medida foi um passo importante de instituição de ações afirmativas, um primeiro passo para definição de um modelo de governança antidiscriminatória que privilegie a representatividade racial, política de prevenção, detecção e formas de responsabilização democráticas contra o racismo. A relevância da iniciativa também sobressai porque, em 2021, o TCU adotou, pela primeira vez desde 2014, cota para negro no concurso para o cargo de Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo.

Para além de se preocupar com as relações humanas no âmbito da instituição, a adoção de uma política antirracista no TCU tem o potencial de se refletir nas principais políticas públicas nacionais, que são auditadas pelo corpo de Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo.

Para finalizar e subsidiar as reflexões, chamo atenção para esta mensagem do Professor e Ministro Silvio Almeida durante a cerimônia de lançamento do Comitê de Diversidade da Advocacia-Geral da União: “A instituição que fica parada e não faz nada é infiltrada obviamente pelo racismo. Só existe combate ao racismo institucional de forma ativa, por isso a fórmula para combatê-lo tem um nome: ação afirmativa. (...) Nós temos que ter a consciência de que, institucionalmente, sendo o racismo um elemento que deriva da sociabilidade, nós temos que ter uma postura ativa e permanente de combate” É hora de “descolonizar os sistemas econômico, jurídico e político” (Tendayi Achiume).

Na condição de cidadã-carioca e de ex-Auditora de Controle Externo do TCE-RJ, espero que os ares alvissareiros da governança de pessoal do TCU cheguem à Corte Fluminense, não apenas no que se refere à necessária observância da simetria constitucional do quadro próprio de pessoal, que permite ao TCU contratar apenas 28 agentes para ocupar cargos em comissão, mas também no que diz respeito à política de equidade e diversidade, a qual passa por ações afirmativas que devem impregnar a governança antidiscriminatória que privilegie a representatividade racial e o combate ao racismo.

*Lucieni Pereira é Auditora Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, ex-Auditora de Controle Externo do TCE-RJ e Presidente da AudTCU. As opiniões da autora não vinculam o TCU e a Diretoria da AudTCU. 

Repercussão na Imprensa

Jornal O Dia

Meia Hora

SRdz

Nota da Associação Nacional e AudTCE-RJ

Nota AudTCM-BA

Jornal de Floripa

G1

RJTV2

Fonte: Comunicação AudTCU

Imprimir   Email