ARTIGO: Uniformização da nova Lei de Licitações garante segurança jurídica aos gestores

Após 25 anos de discussão, o Congresso Nacional concluiu a votação da Nova Lei de Licitações e Contratos Após 25 anos de discussão, o Congresso Nacional concluiu a votação da Nova Lei de Licitações e ContratosAdministrativos, encaminhando, neste mês de março, o texto para sanção do Presidente da República. Dentre osavanços da Nova Lei, sobressai a incorporação, pelo art. 172, do espírito da Súmula nº 222 do Tribunal de Contas da União, de dezembro de 1994, editada logo após a aprovação da Lei nº 8.666, de 1993. De acordo com a Súmula, as decisões do TCU, “relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios”.

Os Conselheiros dos Tribunais de Contas dos entes subnacionais reagiram de pronto contra o dispositivo eatacaram duramente o Ministro da Economia, Paulo Guedes, acusado de plantar o dispositivo na Nova Lei, assim como atacaram o próprio TCU com acusações que não refletem o seu Regimento Interno. A reação foi noticiada na Coluna do Fausto Macedo[1], do Jornal O Estado de São Paulo:Nós não vamos acompanhar decisãonenhuma do TCU, porque TCU, vamos esclarecer, é fruto daquela bolha que á Brasília”, disparou. “O TCU,como nós sabemos, é um órgão que fiscaliza por provocação. A nossa formação é diferente” (sic).

De pronto, forçoso dizer que a insinuação de que o TCU só atua por provocação não condiz com o previsto noDe pronto, forçoso dizer que a insinuação de que o TCU só atua por provocação não condiz com o previsto no Regimento Interno do TCU (art. 1o, inc. II e art. 238), tampouco com a realidade. Mas esse não é o foco da discussão. Simplesmente, não faz sentido que uma lei cuja competência de edição é exclusiva da União seja interpretada pelos entes subnacionais de uma forma que possibilite comandos em sentidos opostos, pois isso produziria jurisprudências cada vez mais divergentes. Por exemplo, não é possível que algo normatizado exclusivamente pela União seja proibido em um Estado e permitido no outro, muito menos que contratações públicas análogas num mesmo Estado tenham proibições ou permissões antagônicas, a depender da fonte dos recursos. Isso seria péssimo para quem contrata e para quem é contratado.

Correto está o Ministério da Economia com a proposta de uniformização da interpretação de normas gerais decompetência privativa da União, como são as normas de licitação e contratos previstas no art. 22, inciso XXVII da Constituição. A uniformização das normas gerais de finanças públicas prevista na PEC do Pacto Federativo é constitucional, conforme bem fundamentado pelo Auditor e Professor Odilon Cavallari de Oliveira em artigo jurídico[2] publicado no Conjur. O Ministro Bruno Dantas e o Conselheiro do TCE-TO, André Luiz de MatosGonçalves, também defenderam a constitucionalidade da proposta como uma das medidas essenciais paragarantir a estabilidade fiscal nacional em artigo[3] publicado no ano passado.

A finalidade da regulamentação expressa na Nova Lei de Licitação e Contratação não é outra, senão uniformizar aaplicação da norma geral fixada pela União e garantir segurança jurídica aos licitantes, contratados e gestoresestaduais e municipais, em especial aqueles responsáveis por implementar políticas públicas que contam comfinanciamento da União, a exemplo das políticas de educação, saúde, assistência social, saneamento básico,infraestrutura, dentre outras.

Em 2020, dos R$ 161 bilhões que a União aplicou em saúde, 70% (R$ 113 bilhões) foram repassados fundo aEm 2020, dos R$ 161 bilhões que a União aplicou em saúde, 70% (R$ 113 bilhões) foram repassados fundo afundo aos entes subnacionais. Na educação, a complementação federal ao Fundo Nacional de Manutenção deDesenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) superou R$ 16,4bilhões, montante que, em 2026, equivalerá ao valor atual de R$ 38 bilhões, quando forem integralmenteimplementadas as regras do Novo Fundeb. Além disso, a União fez repasses de mais de R$ 12,7 bilhões do salárioeducação[4] e no âmbito dos programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação eassistência à saúde realizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) mediante repasseaos demais entes. Para enfrentamento da Covid-19, os auxílios financeiros federais no ano passado foram daordem de R$ 78,2 bilhões.

Trata-se do modelo de federalismo cooperativo inaugurado pela Constituição de 1988, particularizado, de umlado, pela cooperação econômico-financeira da União com os demais entes para a efetivação de políticas públicas,de outro, pelo exercício centralizado de determinadas competências legislativas em matéria de normas gerais,permanecendo os demais entes da Federação com a competência para regular as questões específicas. É achamada repartição vertical de competências, tema desenvolvido no Parecer da Consultoria Jurídica do TCU (Processo Administrativo nº 005.716/2017-9) que rechaçou a proposta de uniformização de jurisprudência naesfera de controle externo por um conselho administrativo à semelhança do Conselho Nacional de Justiçaidealizado pela Associação Nacional dos Conselheiros (Atricon).

A natureza jurídica dos repasses mencionados é federal e são diversas as implicações no campo das finançaspúblicas, a exemplo do que foi decidido pelo TCU na semana passada (Acórdão nº 561/2021-Plenário) paracorrigir os indicadores fiscais da União que, em razão de equívocos do Poder Executivo na classificação dosauxílios financeiros para enfrentamento da Covid-19, colocaram vários órgãos federais acima dos limites depessoal fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, com destaque para o Ministério Público da União e algunsórgãos da Justiça Eleitoral.

Além do impacto fiscal, esses repasses federais têm tratamento específico no plano judicial, uma vez que, pelo art.109, inciso I, da Constituição, é a Justiça Federal a competente para processar e julgar qualquer desvio naaplicação de recursos de natureza federal, eis que está em jogo o interesse da União.

Dessa forma, em qualquer licitação custeada, no todo ou em parte, com recursos de natureza federal, aresponsabilização nas esferas civil e criminal compete ao Ministério Público Federal (MPF) e à Justiça Federal,mesmo que haja recursos próprios dos entes subnacionais no cofinanciamento da despesa licitada. Cite-se o Acórdão nº 4.074/2020-TCU-Plenário.

Por isso, revela-se extremamente inseguro para as empresas e para os gestores estaduais e municipais seguir aorientação dos Tribunais de Contas locais nas licitações de materiais, bens e serviços custeados ainda que parcialmente com recursos federais, pois, se houver divergência de entendimento entre o TCU e os demaisTribunais de Contas sobre a interpretação da Nova Lei de Licitações (norma geral), os envolvidos poderãoresponder não apenas perante à Corte de Contas da União, mas também serem processados pelo MPF e julgadospela Justiça Federal, cuja competência afasta, completamente, a possibilidade de discutir a matéria na Justiça Estadual, até mesmo sobre a aplicação dos recursos próprios dos entes subnacionais aplicados em conjunto com aparcela federal. Nesse sentido, o artigo 172 da Nova Lei de Licitações deve ser sancionado pelo Planalto e, noexercício hermenêutico, ser aplicado conforme à Constituição.

Artigo originalmente publicado em https://bit.ly/3rw1ouZ


Fonte: estadao.com.br

Imprimir   Email