O auditor de controle externo do TCU e diretor administrativo e financeiro da AudTCU, Regis Machado, teve o artigo "Quanto custa argumentar com sinceridade?" publicado no blog Gestão, Política & Sociedade, do jornal Estadão, nesta segunda-feira (24). O autor rebate a tese de que o Brasil gasta muito com os órgãos de controle, defendida pelo professor Pedro Cavalcante no texto "Quanto custa o controle das políticas públicas?", divulgado no mesmo site.
Regis argumenta que a função exercida pelos órgãos que fiscalizam a Administração representa uma política pública da mais alta relevância prevista na Constituição Federal e não é uma atividade meramente subsidiária. O auditor de controle externo destaca que o texto constitucional atribui à Corte de Contas Federal natureza singular, com quadro próprio de pessoal para resguardar as necessárias imparcialidade e independência da atividade de auditoria. Ele caracteriza como uma completa falácia a comparação entre os orçamentos do TCU e os de órgãos executivos responsáveis por políticas específicas, que não representam todo o contexto, como a Funai e o Iphan.
"Isso porque, para ser honesto, o autor do artigo deveria ter comparado os orçamentos do TCU e da CGU (que ele chamou de “muros, cercas e sistema de vigilância”) com o valor total do Orçamento da União (que representaria, então, o custo da suposta “obra residencial”), não com os orçamentos de outros órgãos (Funai, Iphan), os quais, na analogia imaginada, seriam apenas outras partes, cômodos ou equipamentos da casa hipotética", frisou.
O autor ainda ressalta que o trabalho dos órgãos de controle deve ser reforçado e a tentativa de atacá-los só agrava os problemas estruturais do país, como a pobreza, desemprego, violência.
Confira o texto:
REDAÇÃO
24 de agosto de 2020 | 16h33
Regis Machado, auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Diretor Administrativo e Financeiro da Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU – Aud-TCU (as opiniões do autor não constituem posicionamento institucional do TCU).
Em artigo recém-publicado, intitulado “Quanto custa o controle das políticas públicas?” neste blog, o autor dividiu os orçamentos anuais do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e de duas autarquias federais (Funai e Iphan) pelos respectivos totais de servidores para defender a esdrúxula tese de que o Brasil gasta muito com seus órgãos de controle. Segundo o autor, nossos órgãos de controle, “supostamente subsidiários à gestão pública”, foram “turbinados com orçamentos volumosos, carreiras bem remuneradas e atrativas”, enquanto os demais órgãos, que seriam os verdadeiros “responsáveis pelas políticas públicas entregues à população”, “sofrem constantemente com reduções dos custos, baixa valorização de pessoal, carências de infraestrutura, entre outras limitações de gestão”.
Ele resume seu argumento, então, com a seguinte analogia: “Seria como se em uma obra residencial, o proprietário investisse parte significativa do orçamento em muros, cercas e sistema de vigilância, ao passo que, para construir a casa sobrasse a menor parcela” [1].
De saída, é oportuno lembrar ao referido autor que a fiscalização da Administração Pública, exercida por meio dos seus órgãos de controle (interno e externo), constitui-se em política pública da mais alta relevância, prevista constitucionalmente, diga-se de passagem (Constituição Federal, arts. 31 e 70-75). Ou seja, não se trata de atividade meramente subsidiária, mas, sim, de função de extrema importância, inerente ao adequado requisitos de investidura, níveis de exigência da respectiva seleção (formação, rol de habilidades e conhecimentos cobrados no concurso público) etc. Ademais, há outras distinções, como o fato de o TCU ser órgão singular, com quadro próprio de pessoal (CF, art. 73) para resguardar as necessárias imparcialidade e independência da sociedade inúmeros benefícios não financeiros, além de benefícios financeiros potenciais da ordem de múltiplas vezes o seu custo anual de funcionamento, conforme mostram os relatórios de gestão do órgão [2].
Este texto se presta, sim, a desmontar a completa falácia contida na analogia transcrita acima. Isso porque, para ser honesto, o autor do artigo deveria ter comparado os orçamentos do TCU e da CGU (que ele chamou de “muros, cercas e sistema de vigilância”) com o valor total do Orçamento da União (que representaria, então, o custo da suposta “obra residencial”), não com os orçamentos de outros órgãos (Funai, Iphan), os quais, na analogia imaginada, seriam apenas outras partes, cômodos ou equipamentos da casa hipotética.
Sabendo, então, que, em 2019, o Orçamento da União foi de R$ 3,381 trilhões [3], o do TCU foi de quase R$ 2,23 bilhões [4] e o da CGU foi de cerca de R$ 1 bilhão [5], vê-se que os tais “muros, cercas e sistema de vigilância” representaram, ano passado, menos de 0,01% do custo total da “obra residencial”. Ou seja, mais de 99,99% do Orçamento da União, em 2019, foram utilizados para “construir a casa”. Esse percentual (99,99%), o autor chamou de “menor parcela” em sua analogia, para concluir seu artigo, então, criticando “a supremacia do controle frente à gestão” e defendendo que a dose de controle no orçamento nacional (os mencionados 0,01% !!) seria excessiva, a ponto de poder torná-lo de “remédio” em “veneno”.
Enfim, como se vê, dose mesmo é constatar a que ponto se força a barra para tentar justificar o enfraquecimento dos órgãos de controle, o que, certamente, só agravaria os problemas estruturais nacionais (pobreza, desemprego, violência etc.) citados pelo próprio autor. No mundo real, esse nosso “sistema de vigilância” deveria mesmo é ser reforçado (ou alguém, em sã consciência, é capaz de considerar esses 0,01% suficientes?), não criticado. Pelo menos o autor elogiou o “hercúleo empenho dos servidores e das organizações de controle externo e interno, com reconhecidos resultados em termos de transparência e accountability”. Tá perdoado, então!
Fonte: estadao.com.br